segunda-feira, 9 de março de 2009

UMA REGRA PARA CHÁVEZ OUTRA PARA OS LAGOSTINS

Faça as contas: num dia como hoje, o DN tem 56 páginas. Como cada página leva aí umas mil palavras (esta crónica tem 508), a edição ultrapassará as 56 mil. Multiplique-se por 143 anos, com épocas em que as páginas pareciam lençóis e as imagens eram poucas, e dá, garanto, um número com dez algarismos. Com tantas palavras, não faltam também os ocasionais palavrões. Umas vezes com reticências, como o "vai para o c..." por José Eduardo Martins no Parlamento e que é citado na edição de sexta-feira, ou, mais raro, sem recurso a quaisquer reticências.

Um bom exemplo? E recente? Um longo artigo sobre os campos de arroz em Portugal, em que um agricultor se refere aos "cabrões dos lagostins". Não há hipótese de substituir o palavrão pelos salvadores três pontinhos. Fazer uma reportagem é mostrar a realidade. E se as pessoas praguejam assim enquanto estão com os pés enfiados na água num arrozal perto de Alcácer do Sal, é assim também que o jornalista as deve pôr a falar. Claro, a decisão é fácil porque os ofendidos nunca se queixarão. Fosse gente o substantivo que se segue ao palavrão e a decisão seria outra. Do redactor. No extremo, do seu editor.

Além dos palavrões editoriais, existem os de outro género: as gralhas. Quem trabalha num diário fundado no século XIX sabe bem o que é ser brindado com velhas histórias, como a do anúncio a "colchões com molas" que durante dias saiu a faltar uma letra (contava-se na revisão do DN que o comerciante não se queixou - nunca tivera tanta clientela!). Ou do artigo sobre "continhas" dos professores onde houve também um erro. Mas aí joga o azar, não a opção jornalística.

Encontrar um critério para não chocar sensibilidades é difícil. Houve uma música de 1995 de Pedro Abrunhosa que nos jornais era referida como Talvez f..., apesar de passar na rádio e até ter sido cantada na televisão no programa Parabéns (sem piii). Mas o DN já não hesitou quando mais de uma década depois teve de contar o caso de uma agressão de um pai a uma professora à frente dos alunos. No artigo, pode ler-se que o agressor terá "mandado a professora à merda". É daqueles casos que mandam publicar as palavras todas para se perceber o contexto. Como no caso do resmungo de Jesse Jackson sobre o ainda candidato Barack Obama, dizendo que quando o ouvia a falar de cima com os negros tinha vontade de lhe "cortar os tomates".

E se os jornais americanos escreveram sem pestanejar balls, em Portugal houve quem pudicamente traduzisse por "cortar os testículos". E logo depois, enquanto Obama não substituía George W. Bush, houve mais uma decisão difícil a tomar quando Hugo Chávez decidiu insultar os americanos. Optou-se no DN por publicar a frase completa, mas em castelhano: "váyanse al carajo, yanquis de mierda".

Que jeito dá por vezes que as línguas se pareçam entre si.
Lições a tirar? Só uma e em poucas palavras. Como tudo no jornalismo, além do livro de estilo, convém bom senso. Há soluções e soluções. E em caso de dúvida...





Leonídio Paulo Ferreira, Diário de Notícias, 09.03.2009

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