
Um bom exemplo? E recente? Um longo artigo sobre os campos de arroz em Portugal, em que um agricultor se refere aos "cabrões dos lagostins". Não há hipótese de substituir o palavrão pelos salvadores três pontinhos. Fazer uma reportagem é mostrar a realidade. E se as pessoas praguejam assim enquanto estão com os pés enfiados na água num arrozal perto de Alcácer do Sal, é assim também que o jornalista as deve pôr a falar. Claro, a decisão é fácil porque os ofendidos nunca se queixarão. Fosse gente o substantivo que se segue ao palavrão e a decisão seria outra. Do redactor. No extremo, do seu editor.
Além dos palavrões editoriais, existem os de outro género: as gralhas. Quem trabalha num diário fundado no século XIX sabe bem o que é ser brindado com velhas histórias, como a do anúncio a "colchões com molas" que durante dias saiu a faltar uma letra (contava-se na revisão do DN que o comerciante não se queixou - nunca tivera tanta clientela!). Ou do artigo sobre "continhas" dos professores onde houve também um erro. Mas aí joga o azar, não a opção jornalística.
Encontrar um critério para não chocar sensibilidades é difícil. Houve uma música de 1995 de Pedro Abrunhosa que nos jornais era referida como Talvez f..., apesar de passar na rádio e até ter sido cantada na televisão no programa Parabéns (sem piii). Mas o DN já não hesitou quando mais de uma década depois teve de contar o caso de uma agressão de um pai a uma professora à frente dos alunos. No artigo, pode ler-se que o agressor terá "mandado a professora à merda". É daqueles casos que mandam publicar as palavras todas para se perceber o contexto. Como no caso do resmungo de Jesse Jackson sobre o ainda candidato Barack Obama, dizendo que quando o ouvia a falar de cima com os negros tinha vontade de lhe "cortar os tomates".
E se os jornais americanos escreveram sem pestanejar balls, em Portugal houve quem pudicamente traduzisse por "cortar os testículos". E logo depois, enquanto Obama não substituía George W. Bush, houve mais uma decisão difícil a tomar quando Hugo Chávez decidiu insultar os americanos. Optou-se no DN por publicar a frase completa, mas em castelhano: "váyanse al carajo, yanquis de mierda".
Que jeito dá por vezes que as línguas se pareçam entre si.
Lições a tirar? Só uma e em poucas palavras. Como tudo no jornalismo, além do livro de estilo, convém bom senso. Há soluções e soluções. E em caso de dúvida...

Leonídio Paulo Ferreira, Diário de Notícias, 09.03.2009
Sem comentários:
Enviar um comentário