
Quem não se lembra do tempo em que os jornalistas saiam a campo armados de papel, lápis na orelha e bons conhecimentos de taquigrafia? Naquele tempo, escrever bem e rápido era uma virtude profissional. Depois chegaram as máquinas de escrever e todo escritório que se prezava tinha uma eficientíssima D. Gertrudes com a sua inseparável Remington.
Mas mesmo assim, escrever à máquina era privilégio de poucos, muitos não tinham curso de datilografia e ai de quem ousasse desafinar a Olivetti de estimação da D. Raimunda para dar uma desautorizada catilografada. O falecido Doutor Zenóbio, médico de família dos bons, prescrevia, com uma caneta Parker preto-reluzente, as suas receitas de Gardenal e outros al, ol, ix e on, que eram traduzidas pelo champollions que se debruçavam nos balcões das farmácias da cidade.
Já o filho dele, a quem o motorista até hoje trata por doutô-adevogado usava uma Montblanc que ganhara do pai tão logo colara grau. Usava, porque hoje, o douto advogado usa um Pentium IV, daqueles que a Hebe – aquela do sorriso com laquê - vive dizendo na TV que é o melhor computador do mundo. Na mesma TV onde o patrão dela, no seu show milionário, diz que a gente só deve comprar computador se tiver “Intel Inside”. A certidão de nascimento do Abravanel e a da sua funcionária certamente foram bordadas a mão por um escrivão que só tirava 10 na escola em caligrafia.
Mas agora que o velho escrivão pendurou as luvas e vive do INSS, documento de cartório é digitado em computador e autenticado com selo holográfico. O pediatra dos netos do Dr. Zenóbio também digita receita no Word e o cheque que a nora dele passa na butique é preenchido por uma maquininha esquisita que só deixa em branco o lugarzinho para ela assinar. Isso quando ela não usa o tal do Redeshop, o Visa Electron ou os diversos cartões crédito que espirram da carteira e fazem crescer os olhos dos trombadinhas.
A verdade é que o mundo agora é digital e as canetas BIC, que devem ter feito o pezinho do meia do Abravanel, quando era camelô, parece que vão virar acervo do museu da escrita. “Fonte Times New Roman, corpo 12”, é o lembrete da professora para os alunos que já vão abandonando a sala e terão que trazer o trabalho de história na segunda-feira. O garotão que cresceu vendo desenho de Maurício de Souza, diz que a praia dele agora é desenho digital e que criar desenhos na telinha usando aquela parada que a gente chama de mouse é mole, mole. Até porque enquanto curte o desenho na tela, entre uma linha e outra, ele digita um e-mail marcando encontro com a tchurma, dispara para todos de uma vez, e eles recebem em segundos. Melhor que SEDEX 10! Nem a romântica namoradinha dele usa caneta para escrever bilhetinhos, a mina prefere enviar torpedos pelo celular.
Mas nem tudo está perdido você pensou. A gente sempre vai ter que assinar um documentinho aqui, outro ali, não é verdade? Não é, não. Tem tanta gente especialista em falsificar assinaturas que os cientistas já estão cuidando de descobrir novas formas de identificação, como o reconhecimento da íris. Ah, mas alguém vai assinar contrato com a íris? Que tal assinarmos com a inimitável impressão digital?
Mas não fique triste nem com essa cara de saudosista decepcionado. As mãos que antes se ocupavam da escrita, além de digitar, vão ter mais tempo para bordar, esculpir, se apertar e para curtir o corpo do ser amado.
Artigo de António Carlos Silva Ferreira. Fotógrafo amador,ex-publicitário e Bancário da Caixa Econômica Federal. Reside em Salvador.
Publicado em "Balaio de Notícias", Aracaju, Brasil.
Mas mesmo assim, escrever à máquina era privilégio de poucos, muitos não tinham curso de datilografia e ai de quem ousasse desafinar a Olivetti de estimação da D. Raimunda para dar uma desautorizada catilografada. O falecido Doutor Zenóbio, médico de família dos bons, prescrevia, com uma caneta Parker preto-reluzente, as suas receitas de Gardenal e outros al, ol, ix e on, que eram traduzidas pelo champollions que se debruçavam nos balcões das farmácias da cidade.
Já o filho dele, a quem o motorista até hoje trata por doutô-adevogado usava uma Montblanc que ganhara do pai tão logo colara grau. Usava, porque hoje, o douto advogado usa um Pentium IV, daqueles que a Hebe – aquela do sorriso com laquê - vive dizendo na TV que é o melhor computador do mundo. Na mesma TV onde o patrão dela, no seu show milionário, diz que a gente só deve comprar computador se tiver “Intel Inside”. A certidão de nascimento do Abravanel e a da sua funcionária certamente foram bordadas a mão por um escrivão que só tirava 10 na escola em caligrafia.
Mas agora que o velho escrivão pendurou as luvas e vive do INSS, documento de cartório é digitado em computador e autenticado com selo holográfico. O pediatra dos netos do Dr. Zenóbio também digita receita no Word e o cheque que a nora dele passa na butique é preenchido por uma maquininha esquisita que só deixa em branco o lugarzinho para ela assinar. Isso quando ela não usa o tal do Redeshop, o Visa Electron ou os diversos cartões crédito que espirram da carteira e fazem crescer os olhos dos trombadinhas.
A verdade é que o mundo agora é digital e as canetas BIC, que devem ter feito o pezinho do meia do Abravanel, quando era camelô, parece que vão virar acervo do museu da escrita. “Fonte Times New Roman, corpo 12”, é o lembrete da professora para os alunos que já vão abandonando a sala e terão que trazer o trabalho de história na segunda-feira. O garotão que cresceu vendo desenho de Maurício de Souza, diz que a praia dele agora é desenho digital e que criar desenhos na telinha usando aquela parada que a gente chama de mouse é mole, mole. Até porque enquanto curte o desenho na tela, entre uma linha e outra, ele digita um e-mail marcando encontro com a tchurma, dispara para todos de uma vez, e eles recebem em segundos. Melhor que SEDEX 10! Nem a romântica namoradinha dele usa caneta para escrever bilhetinhos, a mina prefere enviar torpedos pelo celular.
Mas nem tudo está perdido você pensou. A gente sempre vai ter que assinar um documentinho aqui, outro ali, não é verdade? Não é, não. Tem tanta gente especialista em falsificar assinaturas que os cientistas já estão cuidando de descobrir novas formas de identificação, como o reconhecimento da íris. Ah, mas alguém vai assinar contrato com a íris? Que tal assinarmos com a inimitável impressão digital?
Mas não fique triste nem com essa cara de saudosista decepcionado. As mãos que antes se ocupavam da escrita, além de digitar, vão ter mais tempo para bordar, esculpir, se apertar e para curtir o corpo do ser amado.
Artigo de António Carlos Silva Ferreira. Fotógrafo amador,ex-publicitário e Bancário da Caixa Econômica Federal. Reside em Salvador.
Publicado em "Balaio de Notícias", Aracaju, Brasil.
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